quinta-feira, 4 de maio de 2017

A Estante

Um a um, Deborah, colocou os livros de volta na estante. Procurou por tanto tempo sem sequer saber o que procurava. O desespero que a tinha levado àquele quarto continuava a apertar-lhe o peito com uma força esmagadora. Encostou-se à beira da porta e olhou uma vez mais para a estante. Sentia que a resposta estava ali. Sabia que a resposta estava ali. Mas onde? O que seria? 

Arrastou-se lentamente para o quarto e deitou-se a custo na cama. Cerrou os olhos quando a pancada da enxaqueca a atingiu, sem aviso. Apertou os lençois entre as mãos e respirou fundo. Aquela dor dilacerante não a deixava viver. Eventualmente, adormeceu. Acordou horas depois envolta em suor. Aos poucos, tentou levantar-se e começar mais um dia.

Mais um dia de sofrimento. Mais um dia de névoa. Mais um dia de dor... 

Decidiu voltar à estante. Iria retirar os livros um a um, desfolhá-los com cuidado e de certo iria encontrar o que procurava. As horas passaram e a paciência foi-se esgotando. Atirou os livros todos ao chão num momento de fúria. Gritou de frustração e chorou com pena de si mesma. A pancada violenta da enxaqueca derrubou-a ao chão. Fechou os olhos e abriu-os a custo. Ao fundo, viu uma imagem que pareceu familiar. Fechou os olhos novamente e lentamente voltou a abri-los. Ali no meio dos livros estava uma foto... Rastejou até ela e agarrou-a com ambas as mãos. A imagem era bastante familiar. Sentiu naúseas e levou as mãos à boca. Foi assaltada por memórias que estavam enterradas na sua mente. Os olhos castanhos, as sardas e o cabelo espigado... O sorriso e os bracinhos pequenos e rechonchudos. Os beijos e as gargalhadas. Os abraços e as tardes passadas no parque. A imagem... A imagem do filho que o mundo roubou... Deixou-se estar ali, parada no tempo, e permitiu que as memórias a invadissem e, lentamente, retomassem o devido lugar. Tinha que aceitar o desígnio de Deus e dar graças aos momentos que tinha vivido. Era a única forma de continuar. Tinha de aprender a viver com a dor de perder um filho porque era impossível viver com a dor de tentar apagar um amor infinito. 

 

Photo by Heritage Photgraphy