Perdida…
Era assim que se sentia ultimamente. Completamente perdida, sem rumo, sem
lugar...
Tinha
uma vida boa, muito boa. Não sabia o porquê de sentir-se náufraga.
Tinha a
certeza que o mundo estava completamente equivocado. Não bastava seguir as
regras da sociedade, não bastava fazer tudo como manda o figurino, não bastava...
Deborah
tinha 27 anos e a vida corria como tinha sido programada, por si, pelos seus
pais, pela sociedade... Licenciada, casada e com um filho nos braços, tudo a
seu tempo. Porém, algo sufocava o seu coração. Algo afligia a sua alma. Não
sabia bem o que era. Precisava descobrir...
João,
casado com Deborah, sentia-se o culpado da infelicidade da mulher. Sempre
tentara de tudo para fazê-la feliz, mas não conseguia. Ao olhá-la nos olhos via
um vazio, uma insatisfação... Moravam na casa com piscina que ela sempre
mencionou, conduziam o carro que ela sempre mencionou, não lhes faltava nada...
Faltava-lhe parte da alma...
- João...
Acho que vou ausentar-me por uns tempos... – disse enquanto se preparava para
ir para o trabalho.
-
Ausentar, como assim?
-
Preciso sair daqui... Já falei com a minha mãe para ficar com o Lucas por uns
dias...
- Já
falaste com a tua mãe? Ausentar-te? – colocou-se em frente ao espelho e olhou-a
nos olhos – Não és feliz comigo, Deborah? É isso?
- João,
sabes bem que não é isso... Eu sou feliz contigo... Não sou é feliz comigo,
percebes? Preciso saber o que se passa comigo. Tenho tanto e no entanto...
- Amas-me,
Deborah? Diz-me, por favor?
- Não
sejas tolo... Amo-te a ti e ao nosso filho. Adoro a nossa vida, mas falta-me
algo. Há algo que não estou a fazer. Algo que me está a faltar. Não consigo
explicar, mas bem no fundo de mim sinto uma angústia, uma dor... Preciso sair
daqui, percebes? Tentar entender o que se passa comigo.
- E
vais para onde? – perguntou conformado com a decisão.
- Vou
para a Serra do Gerês. Isolar-me, pensar... Entendes?
- Desde
que prometas que não me vais deixar...
-
Nunca! – Abraçou-o e beijou-o apaixonadamente. – Sou feliz por ter um homem
como tu ao meu lado. Está na altura de dar-te a esposa que tu mereces.
Enquanto
conduzia mil coisas passaram-lhe pela cabeça... Sentiu um aperto no estômago ao
despedir-se do João e do Lucas, mas tinha de fazê-lo... Para o bem dela, para o
bem deles...
Inicialmente
teve dificuldade em concentrar-se, passou a maior parte do tempo a chorar. Chorou
por tudo o que não tinha chorado e por tudo o que ainda haveria de chorar.
Com o
passar das horas e dos dias conseguiu abstrair-se do mundo à sua volta e
focar-se na imensidão do seu mundo interior. Descobriu memórias esquecidas e
lembrou-se de quando tinha sido feliz pela última vez, antes do João, antes do
Lucas, antes da faculdade...
Lembrou-se
daquela tarde de Verão em que sentada na sala a ver “Música no Coração” cantou
as músicas todas, junto com a irmã, dançou e imitou várias cenas do filme. Lembrou-se
da promessa que fizeram uma à outra de que um dia iriam fazer o mesmo... Encenar,
cantar, dançar tudo num só... Lembrou-se da paz que sentiu quando ambas se
abraçaram e prometeram uma à outra nunca esquecer esse sonho...
Ali,
naquele momento, Deborah percebeu. Percebeu o que a fazia infeliz: tinha-se se
esquecido o que a fazia feliz, a ela própria. Seguiu os passos que os pais e a
sociedade esperavam de si. Esqueceu-se do que ela tinha prometido a si mesma: ser
feliz!
Nessa
mesma noite voltou para casa. Abraçou o marido e o filho com tanta força... Abraçou-os
e agradeceu a Deus que eles fizessem parte da sua vida.
- João,
amanhã vou inscrever-me na escola de teatro. – Disse quando se preparavam para
ir dormir.
-
Escola de teatro? Não percebo... – Perguntou confuso.
-
Sabes? Sempre quis ser actriz de teatro, fazer musicais... Esse era o meu
sonho, antes de...
- A sério?
Nunca me falaste sobre isso...
- Pois é,
João... Esqueci-me do que realmente me fazia feliz. Do que alimentava a minha
alma...
- Amor,
se é isso que tu queres, força. Apoio-te no que foi preciso...
O tempo
passou... As cortinas abriram-se e Deborah olhou para o público à sua frente. Sentiu
uma breve dor no estômago e respirou fundo. Fechou os olhos e lembrou-se da
promessa que fez à irmã...
A peça
terminou e saiu do transe. O público levantou-se e aplaudiu. Na primeira fila,
estava o seu João com lágrimas nos olhos. Deborah, sorriu, fez uma vénia e
agradeceu ao público. Chorou também de emoção. Não foi fácil chegar ali, foram
meses de aulas e meses de ensaios. Meses de dúvidas, medo e ansiedade. Ali,
naquele palco, perante o público, pegou no leme do seu navio. Não era náufraga,
Deborah, era finalmente a comandante do seu destino.
Adelaide Miranda, 05/10/2016
www.facebook.com/adelaidemirandaoficial
Adelaide Miranda, 05/10/2016
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